domingo, 8 de fevereiro de 2009

O PAPA EM JULGAMENTO

Por Santino Soares

A decisão do Papa Bento XVI de reintegrar à Igreja o bispo ultranacionalista Richard Williamson, que vive em Buenos Aires, depois de ele ter sido excomungado pelo Papa João Paulo II, está causando uma danação em grandes personalidades, principalmente em alguns chefes de Estados. Também é vista com perplexidade por quem acompanha o caso na Europa e na América, continentes confessadamente de maioria cristã. O pomo da discórdia não acontece, exatamente, porque o atual Papa desfaz uma decisão do anterior, mas por causa das declarações do bispo a uma TV sueca, na qual afirmou que o holocausto não existiu, pelo menos na proporção em que é mostrado: o assassinato de mais de 6 milhões de judeus pelos nazistas. Para o bispo, em torno de 200 mil judeus, teriam sidos exterminados pelo Exército alemão. Diante do perdão papal, autoridades judaicas e, até, a chanceler alemã, Angela Merkel, pedem explicações ao Vaticano.

Parte da imprensa se apressou, também, em dar o seu veredicto sobre o ato de Bento XVI. Pensamento corrente é de que a reabilitação do bispo somente foi possível, porque o Sumo Pontífice é um conservador. Aliás, desde que foi alçado à condição de Chefe de Igreja, o alemão é visto com certa desconfiança. Mas não é de agora que jornalistas implicam com Ratzing. Lembro-me, quando da primeira viagem do Papa João Paulo II ao Brasil, os jornais o destacaram como o “guarda-costas alemão do Papa”. O então secretário de Sua Santidade era tido como um “pastor alemão”, que não permitia a aproximação das pessoas ao Papa Peregrino. O Cardeal foi apresentado ao povo católico brasileiro como uma pessoa de atos truculentos. Penso que, acima de tudo, era uma atitude de preconceito pelo fato de o amigo e mentor de João Paulo II ser alemão. No Ocidente, o imaginário sobre os compatriotas de Goethe é o de que são homens frios, dados a atos nada lisonjeiros.

Eleito Papa, o preconceito continuou. Para muitos, é apenas um alemão conservador. Quem alimenta essa imagem é um tipo de gente que não conhece a Igreja e que não se deu ao trabalho de estudar a vida de Bento XVI. Não procurou saber o que ele pensa, qual a sua relevância dentro da Igreja e quais os importantes papéis que desempenhou até ser consagrado. Sem informações corretas, passou a opinar sobre o novo Papa, quase sempre de forma desabonadora. Essa gente abarrotada de opiniões demonstra não saber que Bento XVI, entre outros momentos importantes do catolicismo, participou do Concílio do Vaticano II (1962 – 1965) como peritus (especialista em teologia) do Cardeal Joseph Frings, de Colonia. Foi ele quem apresentou a proposta da realização da missa em língua local, em vez do latim. Parece, também, desconhecer que, por 23 anos, exerceu o cargo de prefeito da Congregação Para a Doutrina da Fé, se é que sabem, pelo menos, que a Congregação existe e para quê.

Bento XVI é o sexto, talvez o sétimo (segundo a procedência de Estêvão VIII, de quem não se sabe se nasceu em Roma ou na Alemanha), Papa alemão desde Vitor II. O último Papa com este nome foi Bento XV, que esteve no cargo de 1914 a 1922, durante a Primeira Guerra Mundial. Ratzinger é o primeiro decano do Colégio Cardinalício eleito Papa, desde Paulo IV em 1555 e o primeiro cardeal-bispo eleito Papa, desde Pio VIII em 1829.

O mal intencionado pode brandir que Ratzinger pertenceu à Juventude Hitlerista e ocultar que isso aconteceu, porque, a partir de 1938, tornou-se, oficialmente, uma obrigatoriedade. Até 1939, nenhum seminarista havia entrado na organização, mas o regime exigiu que, a partir de março daquele ano, a filiação fosse obrigatória. Pode, também, alardear que, em 1943, aos 16 anos de idade, foi incorporado no Exército Nazista Alemão, mas não revelar a sua deserção. Sim, o Papa foi engajado ao Exército alemão. Mas vejamos: com a rendição alemã em 8 de maio de 1945, Ratzinger foi levado a um campo de concentração aliado, juntamente com 40 mil prisioneiros. Foi libertado em 19 de junho, apenas dois meses depois de ter completado 18 anos. Era um menino vivendo em tempos de pavor.

É certo que os horrores da II Guerra Mundial – que Deus permita que tenha sido a última - ainda estão muito presentes. Os homens tentam esquecer a sua própria capacidade de fazer o mal aos seus semelhantes. Os alemães convivem com esse fantasma real. A Europa treme ao pensar no espectro. Os judeus não conseguem afastar o ódio alimentado pelas cruéis lembranças. Mas, apesar de seus equívocos históricos, a Igreja não será nunca conivente com a barbárie.

A Igreja é um poder comparável às grandes potências, não pelas armas, porém, pelas idéias que professa. Se observarmos a tese do sociólogo Pasquale di Paolo, saudoso professor de Idéias Políticas e Sociais, na Universidade Federal do Pará, podemos afirmar que temos, hoje, dois grandes poderes instituídos: o império americano e a Igreja. A tese Pasquale mostra a relevância do Vaticano, no período da guerra fria, e estabelece dois grandes Poderes de Estado pelas armas e pela economia: americanos e russos; e um terceiro poder, pela influência de suas idéias, a Igreja. Com o fim do comunismo soviético, naturalmente, seguindo o raciocínio do grande mestre, ficam os americanos e a Igreja. Também não será exagero falar de um Poder nascente, o dos países das economias emergentes: Brasil, Rússia, Índia e China - BRIC.

Então, se a Igreja toca em fantasmas que assombram a humanidade, a repercussão nunca será irrelevante. E isso acontece porque Roma, infelizmente, é olhada como um Poder de Estado e não de fé, embora, diga-se, o conceito que o mundo tem para a fé seja o de um ato irracional, que caminha por uma linha muito próxima da insanidade. Quem assim pensa deveria ler o poema “Fé”, de Machado de Assis, principalmente os versos: No turvo mar da vida, / Onde aos parcéis do crime a alma naufraga, / A derradeira bússola nos seja, / Senhor, tua palavra.

Nenhuma pessoa de boa vontade deve, pelo menos, pensar que o bispo Richard Williamson foi absolvido pela Igreja, porque o Papa, pelo fato de ser alemão, também negue ou queira diminuir o tamanho do mal do holocausto. Perdoar é o papel da Igreja de Cristo, pois o perdão foi e será ad eternum o fundamento do ministério do Nazareno. É claro que o perdão vem pelo arrependimento. Quando a burocracia da Igreja diz que Bento XVI não sabia das declarações do perdoado, quanto à morte de judeus nos 42 campos de concentração – 3, de extermínio – de Auschewitz-Birkenau, sul da Polônia, presume-se que, agora, perdoado, o bispo peça perdão ao povo judeu e às instituições de defesa dos direitos humanos, se, realmente, não crê na sua declaração que está causando tanto mal-estar à Igreja. Agora, se acredita no que disse, ele deve agradecer ao Papa e recusar o perdão.

Aos que acham que o perdão de Bento XVI se faz porque ele é um conservador, devem entender que o Papa, acima de tudo, é um seguidor de Cristo, porque, como já mencionei, a Igreja é de Cristo. Hanna Arendt, pensadora judia-alemã, sobre os diários de Angelo Giuseppe Roncali – Papa João XXIII (1958-1963), escreveu um artigo intitulado: "Um Cristão no Trono de São Pedro", publicado em um livro que recebeu o título de “Homens em Tempos sombrios” (Companhia das Letras - 2008). Arendt relata e comenta uma passagem do Diário de João XXIII, assim: - “que aceitara esse serviço (ser Papa) em pura obediência à vontade de Deus, enviada a mim pela voz do Sagrado Colégio de Cardeais”, isto é, nunca achou que os cardeais o tivessem eleito, mas sempre que “o Senhor me escolheu” – uma convicção que deve ter fortalecido muitíssimo, sabendo quão puramente acidental fora a aprovação do seu nome como eleito. Pois era precisamente por saber que tudo isso era uma espécie de mal-entendido, humanamente falando, que podia escrever sem recorrer a algumas generalidades dogmáticas, mas referindo-se a si mesmo: “O Vigário de Cristo sabe o que Cristo quer dele”-.

Acredito em que Bento XVI pensa como João XXIII, cujas idéias ele as deve conhecer muito bem. Basta meditarmos na sua primeira declaração, depois de ter sido anunciado como Papa: "Queridos irmãos e irmãs: Depois do grande Papa João Paulo II, os senhores cardeais elegeram a mim, um simples humilde trabalhador na vinha do Senhor. Consola-me o fato de que o Senhor sabe trabalhar e atuar com instrumentos insuficientes e, sobretudo, confio nas vossas orações. Na alegria do Senhor ressuscitado, confiados em sua ajuda permanente, sigamos adiante. O Senhor nos ajudará. Maria, sua santíssima Mãe, está do nosso lado. Obrigado." Então, pergunto: quem pode julgar as atitudes de Bento XVI?

Um comentário:

Anônimo disse...

O Bento não medita no que faz. João Paulo era o verdadeiro Papa.
Um homem sábio, que víamos pelas suas ações de um homem temente a Deus. Um santo que seguia as ordenanças da Palavra de Deus. O Bento não devia ter desfeito nunca um ato do seu antecessor. Agora dever pagar pelos seus erros. E nós temos que esperar por um outro papa.